CONTROLE DOS MERCADOS ILÍCITOS
Pois bem, as pesquisas que integram o Anuário de Mercados Ilícitos de 2024 permitem concluir que os mercados ilícitos são um problema público causador de um ciclo vicioso gerador de perdas, danos e violência criminal, que pode ser sintetizado em 6 (seis) etapas, uma a mais em comparação ao Anuário anterior, observe:
- 1. Incentivo ao crescimento da violência criminal: o quadro de alta lucratividade de crimes e de baixo risco de prisão incentiva os criminosos a adquirirem cada vez mais armas e agirem de forma violenta para obterem renda e recursos.
- 2. Perda de mercado: a violência criminal garante a aquisição de produtos roubados, furtados ou falsificados da indústria, que alimentam o mercado ilegal, chegando a R$ 22,65 bilhões, no estado de São Paulo em 2023, em apenas (9) nove setores industriais (automotivo, eletrônico, alimentos e bebidas, químicos, vestuário, medicamentos, higiene, tabaco e brinquedos). Com um crescimento de 17,5% em relação ao ano de 2020, último ano pré-pandemia.
- A perda e o dano geram um custo: que produzirá aumento do preço final dos produtos em razão da elevação do investimento em segurança privada suplementar e seguro (acima do que os concorrentes utilizam).
- 4. Outro efeito da perda de mercado é a redução/não criação de empregos e impostos: os mercados ilícitos ocupam um segmento do mercado legal, logo, impedem a criação de 157.336 empregos, em 2023, e geração de R$ 4,42 bilhões em impostos estaduais e R$ 4,99 bilhões em impostos federais, que seriam gerados pela oferta legal, a demanda atendida pelo crime.
- 5. Perda de competitividade da indústria paulista e brasileira: a falta de segurança impõe ao industrial um tipo de custo contínuo que não existe ou não é significativo para muitos dos concorrentes internacionais.
- 6. Por fim, à medida que a Inteligência Artificial (IA) generativa se desenvolve, o risco de seu mau uso por criminosos em mercados ilícitos aumenta, ameaçando a segurança da indústria, do comércio e dos consumidores. Para tanto, visando mitigar esses riscos, é crucial investir em segurança cibernética e inteligência, adotar dispositivos aprimorados por IA, proporcionar treinamento contínuo aos funcionários sobre práticas de segurança e educar os consumidores sobre como se proteger contra fraudes e abusos.
Diante deste quadro, o desafio que se impõe é: como enfrentar efetivamente os mercados ilícitos e suas externalidades negativas em diferentes modalidades e contextos?
Com base na vasta experiência acumulada por governos, forças policiais, empresas e pesquisadores, que se dedicaram ao estudo e ao controle dos mercados ilícitos, cujos resultados foram amplamente compartilhados em fóruns internacionais, como a OCDE, UNCTAD, UNODC, é possível afirmar que o enfrentamento dos mercados ilícitos transnacionais envolve a superação de dois principais desafios:
- ● A construção de soluções incrementais, na forma de novas políticas públicas de controle do crime economicamente motivado, focada em melhoria da governança;
- ● A construção de soluções estruturais, na forma de modernização da legislação penal e de regulação fiscal e sanitária, sem inibir inovações benéficas.
Vamos detalhar, abaixo, esses desafios.
DESAFIO 1
FORMULAR POLÍTICAS PÚBLICAS QUE AUMENTEM OS CUSTOS DE TRANSAÇÃO DOS MERCADOS ILÍCITOS
O desafio de combater o crime economicamente motivado, especialmente em um cenário amplificado pela digitalização dos mercados ilícitos, exige um novo modelo de governança que repense a forma como define-se problemas e formula-se políticas públicas de controle.
Este modelo deve focar na proteção das cadeias produtivas, com especial atenção ao controle da cadeia logística ilícita e à descapitalização dos operadores ilícitos, estabelecendo um marco inicial na definição de mercados ilícitos como problema público.
PRIORIZAR MERCADOS ILÍCITOS E UTILIZAR INDICADORES SOBRE MERCADOS ILÍCITOS
A priorização de mercados ilícitos, por sua letalidade ou violência, faz-se necessária para construir uma abordagem mais eficaz, afastando a dependência exclusiva em dados de produtividade estatal, que frequentemente se concentram apenas no registro e investigação de delitos específicos.
A raiz do problema são os mercados ilícitos (como os setores abordados no Anuário), que geram os delitos de roubo de carga, contrabando, furto em lojas, e homicídio.
Dessa forma, a transição para este novo modelo passa por uma mudança de mentalidade sobre o fenômeno criminal e as estratégias de controle, reconhecendo a necessidade de utilizar indicadores sobre:
- ● Tamanho de mercados ilícitos, em termos de volume e valor;
- ● Taxas de evolução, em termos de variação no crescimento ou nos tipos de produtos;
- ● Externalidades que provocam vitimização, quais mercados são mais produtores de violência criminosa e corrupção.
O reconhecimento e a consequente mensuração (de casos e valores) de mercados ilícitos, a evolução do faturamento ilícito e a detecção das suas externalidades mais prejudiciais, como a violência criminal ou o subemprego, são os indicadores deste tipo de política, além dos dados de produtividade das agências públicas.
Este enfoque integrado não apenas proporciona uma compreensão mais profunda dos desafios enfrentados, mas também abre caminho para soluções mais efetivas no combate ao crime economicamente motivado.
FOCO 1
DESESTRUTURAR
A CADEIA LOGÍSTICA
ILÍCITA
Dentro desse contexto de análises aprofundadas dos mercados ilícitos, surge o primeiro foco que se concentra em desestruturar a cadeia logística. O momento de transporte regional e transnacional e de distribuição local são os pontos onde é maior o risco dos operadores e suas quadrilhas perderem seus produtos ilícitos e serem presos ou penalizados financeiramente. A formulação de políticas públicas que enfraqueçam esses pontos vulneráveis é crucial, destacando-se três principais fluxos áreas de foco prioritário para o enforcement:
- ● O primeiro envolve o transporte transnacional de mercadorias entre os locais de produção ou entrada no país (fronteira, portos e aeroportos) até pontos de atacado, e destes para a distribuição a centros de varejo ou outros atacadistas. São os casos de cigarros, eletrônicos, vestuário e defensivos agrícolas contrabandeados a partir do Paraguai ou dos portos e aeroportos, ou pós-compra digital, principalmente da China.
- ● O segundo fluxo diz respeito ao transporte regional e transnacional do local onde o produto foi roubado ou furtado até um ponto de atacado (galpão, esconderijo) e depois deste ao varejo ou consumidor final. Este cenário é exemplificado pelo tráfico de celulares e veículos em São Paulo, que não só abastece o mercado ilícito local, mas também se estende para outras regiões, como o Rio de Janeiro, e até outros países, como Angola.
- ● Por fim, o transporte regional dentro do próprio país, entre os locais de produção de produtos falsificados e centros atacadistas ou diretamente a varejistas. No Estado de São Paulo, itens como produtos de higiene, calçados e cigarros falsificados são exemplos concretos dessa atividade ilícita, evidenciando a necessidade de vigilância e ação regulatória também no âmbito interno.
FOCO 2
DESCAPITALIZAÇÃO DE OPERADORES, EM ESPECIAL OS ATACADISTAS ILÍCITOS
O segundo foco está relacionado à descapitalização dos operadores dos mercados ilícitos, especialmente os que se posicionam como atacadistas na cadeia de distribuição ilícita, que precisam receber tanto ou mais atenção das autoridades que combatem a lavagem de dinheiro e a evasão de divisas (tráfico de dinheiro), que, muitas vezes, estão limitadas a casos de corrupção estatal e fraudes comerciais.
Diante disso, a atenção às nuances dos mercados ilícitos se torna crucial. Os receptadores de cargas e os financiadores de contrabando e falsificações são os principais elos das cadeias de suprimentos ilícitos. São indivíduos ou firmas ilícitas que operam em um nível intermediário ou superior na cadeia de distribuição, e são elos estratégicos porque possuem a capacidade de refinanciar a produção/aquisição de produtos ilícitos, inclusive, através violência criminal, posicionando-se como peças-chave para as organizações criminosas.
A compreensão e o combate aos fluxos financeiros ilícitos (UNCTAD, UNODC, 2020)⁷³ requerem uma abordagem holística, incluindo tanto a interrupção quanto a prevenção – com a expansão do perdimento de bens e dinheiro encontrados no momento da apreensão ou durante a investigação -, através de regulação fiscal e medidas compensatórias para vítimas.
INTEGRAÇÃO PÚBLICO-PRIVADA: POR PROBLEMAS/MERCADOS
Para fortalecer o combate aos mercados ilícitos e ampliar a eficácia das políticas públicas já delineadas, é imperativo adotar uma estratégia de integração público-privada focada em mercados específicos. Essa integração é um objetivo mais ligado à forma, que a finalidade da política pública. A integração de dados, informações e ações é fundamental para o sucesso das ações que visem atingir os focos 1 e 2, que deve ocorrer entre três tipos de atores, que são:
- ● Agências de aplicação da lei (policiais, fiscais, sanitárias e judicial);
- ● Empresas do setor produtivo, transportador e de segurança privada/patrimonial com operação física;
- ● Produtores de conhecimento técnico, que abrangem gestores de risco, empresas/setores de pesquisa, proteção e inteligência corporativa (incluindo antifraude, proteção de marcas, investigação digital, análise de mercado, vitimização empresarial), plataformas digitais e universidades, particularmente aquelas com foco em negócios, economia, direito e relações internacionais/comércio exterior.
Sendo que a principal finalidade desse tipo de integração é produzir um ambiente de confiança mútua que leve à superação de riscos e desconfiança, facilitando a construção de soluções conjuntas. Parceria público-privada, nesse sentido, significa que os diversos atores atuam em conjunto, afastando a ideia de que empresas trabalham para o governo ou vice-versa. Atuações com escopo e objetivo bem delimitados e documentados, com salvaguarda judicial do Ministério Público, por exemplo, e internalização de procedimentos operacionais padrão⁷⁴ pelas partes pode reduzir tais desconfianças, além de reduzir a vulnerabilidade a práticas corruptas e a outras formas de comportamento inadequado quanto à integridade.
Por se tratar de uma dinâmica transnacional, há a necessidade também de ações coordenadas entre agências de segurança, fiscais e sanitárias, tanto em níveis federais (Polícia Federal, Ministério da Justiça e Segurança Pública e seus pares, em outros países) quanto estaduais. Essa complexidade não exime responsabilidade de ações de natureza local, envolvendo agências municipais, regionais (como das regiões metropolitanas) e estaduais.
Com emprego racional e concentrado de recursos físicos, tecnológicos e financeiros, as parcerias público-privadas podem, na prática, constituir sistemas integrados pelo menos nas seguintes áreas:
- 1. Sistemas de rastreabilidade de produtos, insumos e componentes, que agregam necessariamente controle de segurança, fiscal e sanitário. Isso significa construir sistemas que aumentem o controle sobre a produção e distribuição do produto, ao mesmo tempo em que garanta redução do risco de perdas para o crime e garanta proteção e reserva de mercado para o produto legal⁷⁵;
- 2. Sistema de controle de tráfego e cercas digitais, que envolve o monitoramento do fluxo de veículos e produtos em rotas chaves de transporte territorial, bem como o cercamento digital de pontos chaves como entrada e saída de portos, aeroportos, centros de distribuição e centros de varejo;
- 3. Sistema de guarda legal, estocagem e destinação de produtos apreendidos⁷⁶ é essencial para o êxito das políticas públicas contra mercados ilícitos, indo além da apreensão inicial e prisão de criminosos. Ele deve garantir a segurança, a ser capaz de lidar com o fluxo contínuo desses produtos. Este sistema não apenas interrompe a cadeia de suprimentos ilícita, mas também serve como uma ferramenta de pressão internacional, incentivando países a adotarem políticas eficazes de controle ao transformar os produtos apreendidos em insumos para a indústria nacional, promovendo assim, a adoção de práticas mais rigorosas globalmente.
Especificamente sobre a rastreabilidade, é válido notar que esta tornou-se essencial em vários setores da economia, especialmente com o aumento da importância de práticas de Meio Ambiente, Sustentabilidade, Governança (Environment, Sustainability, Governance – ESG). O avanço no debate sobre rastreabilidade promoveu o desenvolvimento de tecnologias e regulamentações para assegurar a origem dos produtos e combater atividades ilegais, alinhando-se às exigências de compliance de acionistas e reguladores internacionais. Assim, as tecnologias como códigos bidimensionais inteligentes (QR codes, Datamatrix) e nanotecnologias marcadoras, que funcionam como um “DNA” do produto⁷⁷, tornaram-se essenciais para prevenir falsificações e o comércio ilegal.
Essas tecnologias também facilitam a interação com consumidores e a autenticação de produtos em tempo real, inclusive, para ações como recalls ou bloqueio de itens ilícitos. A incorporação do código de rastreabilidade ao sistema fiscal ajuda a evitar a comercialização de produtos ilegais, garantindo que cada unidade vendida seja acompanhada de uma documentação fiscal apropriada.
Por fim, uma quarta área também relevante diz respeito ao amadurecimento e maior investimento em iniciativas educacionais, que atingem sua máxima eficácia quando fomenta a colaboração entre setores privado, público e acadêmico para a disseminação do conhecimento. Como demonstrado no Capítulo 1, essa abordagem pode ser sustentada de várias maneiras, abrangendo não apenas as formas específicas de identificação e destinação de produtos ilícitos que pertencentes aos setores aqui estudados, mas também enfatizando a importância da educação e disseminação de práticas recomendadas em Segurança Cibernética.
Como evidenciado pela Pesquisa de Maturidade da Indústria e Cenário de Prejuízo Causado por Ataques Cibernéticos do DESEG (2022)⁷⁸, apesar da amostra indicar prevalência do uso de antivírus (80,5%), e a realização de simulações de ataques cibernéticos (13,8%) pelas empresas consultadas, há uma grande vulnerabilidade humana, com 74% dos funcionários propensos a ignorar regras de cibersegurança para auxiliar um colega, destacando a necessidade de reforçar a conscientização e treinamento em cibersegurança para mitigar esses riscos.
Nesse sentido, somado à digitalização acelerada dos mercados ilícitos e o risco do mau uso da IA generativa que facilitam atividades ilícitas, ampliando a atuação transnacional das redes criminosas, ressalta-se a importância de reforçar parcerias público-privadas. O combate a esses crimes digitais requer expertise específica, muitas vezes, disponível em empresas de tecnologia envolvidas com marketplaces, e-commerce, redes sociais, ou aquelas focadas em segurança privada. Organizações como a ASIS International, com capítulos locais como o de São Paulo, são exemplos chave de como o setor privado pode colaborar amplamente na área de segurança.
Estas parcerias não apenas capacitam os órgãos públicos a agir de forma mais eficaz, mas também protegem os consumidores (OCDE, 2023)⁷⁹ e reduzem impactos econômicos e reputacionais em empresas legítimas. Além disso, incentivam uma participação ativa dessas empresas nas discussões públicas, buscando um equilíbrio que pressione governos a implementar leis de propriedade intelectual e alocar recursos equitativamente, evitando sobrecarregar um único setor (The Economist Impact, 2022).⁸⁰ Acessado em: 26/03/2023.
DESAFIO 2
MODERNIZAR A LEGISLAÇÃO PENAL E REGULATÓRIA PARA PRODUZIR DISSUASÃO E INCAPACITAÇÃO DAS REDES CRIMINOSAS QUE OPERAM MERCADOS ILÍCITOS
O segundo desafio é o mais importante, e destaca-se devido aos efeitos estruturais. Como argumentado na versão anterior do Anuário, a modernização da legislação penal e da regulação fiscal e sanitária deve incorporar o novo contexto do fenômeno dos mercados ilícitos transnacionais e promover aumento do custo do crime, por meio da dissuasão e incapacitação dos criminosos que operam e lucram com mercados ilícitos, trazendo-os a níveis “aceitáveis”.
Contudo, esses avanços são demorados no Brasil, e dependem de prioridades de pautas legislativas e vontade política, tal como o entendimento de risco e ameaça ao país, tornando a tarefa de atualização deste desafio mais difícil, apesar de importantes avanços durante o período observado.
A recomendação do FMI (2023)⁸¹ aponta que o Brasil, assim como os países da América Latina e Caribe, deve investir em Segurança Pública de maneira mais eficiente, para que “práticas mais eficazes para combater o crime possam liberar recursos significativos para outras despesas prioritárias”. Com dados mais recentes, o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA)⁸² demonstra que o Brasil gasta aproximadamente R$ 595 bilhões em segurança, incluindo gastos com segurança privada, despesas do governo e perdas de produtividade com homicídios, o que representa 5,9% do PIB, em 2022. As empresas brasileiras sozinhas gastam, ao ano, cerca de R$ 171 bilhões em segurança privada, o que equivale a 1,7% do PIB de 2022.
A recomendação do Anuário de Mercados Ilícitos da FIESP, tratada através da economia do crime, ajudaria também nesse sentido. Na prática, uma reformulação legal significa aumentar o risco de prisão e a gravidade da pena, ou do cumprimento dela, em situações “economicamente importantes” (priorização dos mercados ilícitos), considerando a finalidade comercial e a participação do criminoso no processo produtivo ilícito (roubador/produtor, transportador, revendedor, atacadista, segurança, entre outros). Além de restringir de forma contundente a ação de pessoas jurídicas envolvidas na cadeia ilícita, como o cancelamento e/ou proibição do CNPJ para empresas receptadores de cargas ou operadoras de contrabando e falsificação.
ADVOCACY FOCALIZADO vs
ADVOCACY AMPLIADO
A implementação dessa estratégia de elevar o custo do crime, apesar do apoio da população e da indústria, vide resultados históricos da Pesquisa de Vitimização (Capítulo 3), enfrenta barreiras importantes, tanto internamente, com a necessidade de superar o foco limitado de “advocacy” setorial, quanto externamente, ao mobilizar o apoio legislativo e da sociedade.
A FIESP exemplifica uma iniciativa promissora, agindo como um catalisador para unir diferentes setores em torno de uma solução comum. A luta integrada ao combate ao comércio ilícito, requer também a adesão aos tratados internacionais anticorrupção, e adoção de boas práticas anti lavagem de dinheiro, destacando a necessidade de fortalecer as capacidades do país para criminalizar efetivamente as infrações associadas, e estabelecer um canal formal entre a indústria, sociedade e Governo. Desse modo, duas grandes ações se sobressaem, observe abaixo.
Internamente, há o desafio de vencer a barreira do “advocacy focalizado”, quando cada setor atua no Congresso Nacional com sua agenda focalizada, geralmente, pautada na proteção de um produto ou marca, de demandas e necessidades, que em regra inclui temas de mercados ilícitos, como proteção à propriedade industrial, controle de roubo de cargas e contrabando. Evidentemente, esta ação é necessária, mas em razão do “baixo custo geral do crime” no Brasil, é preciso construir em paralelo, além da agenda focal, uma agenda mais abrangente anticrime e anti-mercados ilícitos, um “advocacy ampliado”. Essa alternativa trata de temas como a redução da progressão de regime, a mudanças das audiências de custódias, a ampliação da descapitalização de receptadores e demais operadores de mercados ilícitos, a restituição e indenização por parte dos criminosos às vítimas de crimes, incluindo pessoas, empresas e bens públicos coletivos, como o meio ambiente.
A segunda ação importante é superar o desafio externo, que trata de levar a agenda aos parlamentares e à sociedade, para avançar na proteção real daqueles que trabalham e produzem. Logo, a recomendação e a necessidade é construir uma agenda legislativa da indústria em dois níveis: o nível setorial focalizado, e outra, em um nível abrangente, que postule a proteção do mercado legal, do setor produtivo e da própria sociedade.
Essa estratégia está em linha com centros líderes de difusão de conhecimento sobre ilícitos, como o TRACIT⁸³, que também faz recomendações à nível legislativo, indicando que os países cumpram com as disposições dos instrumentos legais internacionais existentes que abordam tanto a corrupção quanto o comércio ilícito, notavelmente, inclui a Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção e as recomendações do Grupo de Ação Financeira (GAFI) em relação às ações voltadas para prevenir a lavagem de dinheiro e o confisco de bens.
O mesmo vale para as discussões sobre a regulação da Inteligência Artificial, com o próprio FMI⁸⁴ destacando a necessidade de uma estratégia global coordenada, ressaltando a importância de uma abordagem harmônica às inovações tecnológicas, e evitando divergências que possam retardar o progresso e evitar o protecionismo. O FMI enfatiza também que o sistema educacional deve liderar o desenvolvimento da IA, com apoio ao financiamento público-privado em pesquisa para avaliar os impactos sociais.
Em sintonia com esse enfoque internacional, no Brasil, a expectativa em torno da aprovação de legislação específica para a IA (Projeto de Lei 2.338/23) reflete uma conscientização similar sobre a importância de estratégias legislativas robustas. No cenário mais macro da segurança cibernética, algumas ações importantes também estão sendo tomadas, como é o caso do Decreto 11.856/2023⁸⁵, que institui a Política Nacional de Cibersegurança (PNCiber) e o Comitê Nacional de Cibersegurança (CNCiber), que será composto por representantes do governo, sociedade civil, instituições científicas e de entidades do setor empresarial.
Finalmente, esses são os desafios a serem construídos em várias mãos, envolvendo o setor produtivo, as autoridades do Sistema de Justiça Criminal, a universidade e, principalmente, as autoridades parlamentares. A Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (FIESP), por meio do Departamento de Segurança e Defesa (DESEG), apresenta-se como um espaço e um ator para reunir os principais interessados e construir em conjunto essa solução.